sábado 04 2015

Sinal de alerta no Bope


Integrantes do batalhão de elite relatam a VEJA sua preocupação de que os casos isolados de corrupção possam ser a semente do mal na mais bem preparada força policial do Brasil

FORA DO PADRÃO – “Caveira” em ação: quem fere o código de conduta da tropa de elite retratada no cinema - como o sargento flagrado nos grampos abaixo - é transferido na hora para outros batalhões
FORA DO PADRÃO - “Caveira” em ação: quem fere o código de conduta da tropa de elite retratada no cinema - como o sargento flagrado nos grampos abaixo - é transferido na hora para outros batalhões(Guilherme Pinto/Agência o Globo)
Em uma série de grampos e mensagens de texto obtidos durante uma operação da Polícia Civil, o terceiro-sargento Arlen Santos Silva negocia com traficantes da quadrilha que se intitula Terceiro Comando Puro (TCP) do Rio de Janeiro. O sargento vende armas, informação e proteção aos bandidos. Em um único turno ganhava 12 500 reais. Nas conversas, fica evidente que o sargento tem comparsas dentro da corporação a que serve, o Batalhão de Operações Especiais da PM carioca, o Bope. Numa conversa telefônica, o traficante Ronaldinho fala do repasse de propinas ao sargento Arlen e ao "amigo dele". Em uma mensagem de texto, o sargento promete avisar o traficante sobre uma ação policial cujos detalhes lhe seriam passados por um "major". Para milhões de brasileiros que formaram uma imagem do Bope por meio do filme Tropa de Elite, de 2007, é um choque de realidade saber que os vergonhosos fatos narrados acima ocorreram com integrantes da unidade policial impoluta e incorruptível mostrada na ficção.
O Bope continua sendo uma das forças mais bem preparadas da polícia nacional. O que esta reportagem mostra é que a blindagem contra desvios de conduta no Bope está sendo constantemente testada por infratores cada vez mais ousados. Casos como o da promíscua relação do sargento Arlen com o bandido Ronaldinho podem ser um indício de que a semente do mal que germina tão facilmente nos batalhões regulares da PM se infiltrou no Bope? Essa é a preocupação relatada a VEJA por integrantes da tropa de elite. A partir de informações deles, a revista apurou vinte casos de infrações graves no Bope. O comando tem sido rápido em afastar culpados e suspeitos. A cultura da intolerância com os infratores ainda predomina. Mas, para quem vive a realidade cotidiana do batalhão, as irregularidades, longe ainda de serem a regra, podem estar se tornando inaceitavelmente mais frequentes.
O levantamento feito por VEJA abrange casos que aconteceram nos últimos sete anos e foram relatados por integrantes do Bope, investigadores das polícias Civil e Federal e corregedores. São ocorrências graves que demonstram tentativas bem-sucedidas de abrir brechas na blindagem ética do Bope. Em uma delas, revelou-se que Antônio Bonfim Lopes, o Nem, chefão do tráfico da Rocinha preso em 2011, tinha sete policiais do Bope na sua folha de pagamento. Um deles, de quem Nem se tornou compadre, ensinava táticas de patrulha à quadrilha. Descobertos por agentes do próprio Bope, os sete bandidos de farda foram transferidos para outros batalhões - o mesmo destino de um cabo suspeito de fazer parte da escolta do traficante mais procurado do Brasil, Celso Pinheiro Pimenta, o Playboy.
"Em determinado momento, o bicheiro Alcebíades Paes Garcia decidiu que, para fazer a segurança dele, seria preciso recrutar integrantes do Bope. Criou-se então a 'tropa do Bide'", relata um delegado da Polícia Federal que investigou o grupo. Um vídeo de 2008 obtido por VEJA mostra três policiais da tropa de elite escoltando Bide até um carro. Tudo indica que os militares foram desmascarados e transferidos para outros batalhões, mas o inquérito militar que apurou o caso foi arquivado.
Durante a retomada do Complexo do Alemão, transmitida ao vivo pela TV em novembro de 2010, o comandan­te de uma equipe do Bope que encontrou um paiol de armas ficou com dois dos fuzis apreendidos. Um tenente denunciou o comandante. Os dois fuzis reapareceram e o oficial foi afastado. Na mesma operação, em uma das favelas do complexo, a Vila Cruzeiro, dois policiais do Bope foram flagrados, de folga, em um caminhão de mudanças com o qual esperavam furtar objetos de valor da casa de um traficante. A ação foi frustrada e os dois, transferidos. No fim do ano passado, o então comandante do Bope, tenente-coronel Luís Cláudio Laviano, ligou de madrugada para o batalhão e descobriu que uma turma do plantão havia saído para uma missão sem comunicar a ação a ninguém. No dia seguinte, todos os dez integrantes da misteriosa operação foram sumariamente excluídos da tropa de elite e transferidos para outros batalhões. A ação fulminante cortou o mal pela raiz? Aparentemente sim, mas fica a incerteza de que a melhor conduta foi mesmo a transferência imediata dos suspeitos, sem que se apurasse em detalhes o que fizeram fora do batalhão, fardados e armados, naquela noite.
Comandante do Bope em 2006 e ex-chefe da própria PM fluminense, Mário Sérgio Duarte esmiúça a prática, que vem passando de uma gestão a outra: "O Bope não espera a materialização de uma desconfiança para afastar seus indesejados. Faço até um mea-culpa. Na dúvida, os comandantes transferem seus potenciais problemas". Alguns são efetivamente investigados, outros não. Essa lógica do silêncio faz parte da estratégia de forças de segurança de elite em todo o mundo. A aura de incorruptibilidade tem de ser mantida a qualquer custo. Investigações internas no FBI americano ou na Scotland Yard inglesa ocorrem longe dos olhos do público. Só raramente são reveladas.
Criado como Núcleo de Operações Especiais, em 1978, o Bope reunia apenas vinte homens escolhidos a dedo para compor a elite da polícia. O núcleo virou companhia, que se tornou batalhão. Hoje são 450 "caveiras", apelido dos integrantes do Bope por causa do distintivo com o crânio humano trespassado por um punhal - símbolo quase universal de unidades de elite batizadas de "do or die", ou seja, missão cumprida mesmo que o custo seja a morte. Fundador da tropa e especialista em segurança pública, o coronel Paulo César Amendola acredita que o inchaço do contingente foi fator determinante para o aumento das infrações: "Com pouca gente, é mais fácil manter a disciplina rigorosa". Uma das características das unidades de alto desempenho, como os Seals, da Marinha dos Estados Unidos, é organizar-se em equipes pequenas em que todos os integrantes se respeitam, se conhecem - e, claro, se vigiam.
Em 77 incursões contra traficantes nos últimos dois anos, os policiais do Bope mataram 83 pessoas em combate. Quantas foram mortas depois que se renderam, confundidas com bandidos ou simplesmente atingidas por projéteis disparados contra o alvo errado por criminosos ou policiais? Não se sabe. O Bope faz operações de guerra - e nas guerras matar é a lei. "Desvio de conduta aqui é roubar", diz um sargento com mais de dez anos de experiência na unidade. Para os que seguem esse código inflexível, o elo de colegas com a bandidagem é grave o suficiente para que se rompa o silêncio e se revelem segredos - como os casos trazidos à luz por esta reportagem de VEJA. Procurados pela revista, os comandantes da PM e do Bope preferiram não falar. Fica o alerta.
O então sargento do Bope Arlen Silva oferece fuzis ao traficante Ronaldinho, braço-direito do chefão do Complexo da Maré
Sargento Arlen - Qual é neguinho?! Eu estou com um negocinho pra tu aqui! Como é que faz?
Ronaldinho - Então... É trazer... quanto que é cada um?
Sargento Arlen - Quatro cinco (45 000 reais)
Ronaldinho - É muito, mané!
Sargento Arlen - Vou chegar aí e a gente desenrola.
O sargento promete ao traficante avisar quando o Bope fará uma operação na Maré
Ronaldinho - Passou uns carros da Light (viaturas do Bope) aqui, com um guindaste também, entendeu?
Sargento Arlen - Qualquer parada aí eu vou acionar.
Ronaldinho - Valeu, tamo junto!
O traficante deixa claro a um intermediário que a propina não é paga somente ao sargento
Ronaldinho - Dá um toque lá naquele amigo (o sargento), que foi comprar roupa contigo, que tu tá pegando o negócio (propina) pra ele e do amigo dele. Dá um toque nele aí, cara, que eu tô mandando uma mensagem pra ele, pra ele ver um negócio pra mim, entendeu (se o Bope irá à Maré)? E amanhã é dia do amigo dele (agente de outra equipe do Bope) que tá pegando (propina), entendeu?

o chefão da Andrade Gutierrez guardava nada menos do que dez folhas de planilhas associando partidos políticos a valores em dinheiro.

Otavio Azevedo
Planilhas de Azevedo associam políticos a valores em dinheiro
Eis uma notícia que tem tudo para tirar o sono de muitos políticos e dirigentes partidários: no mesmo dia em que levaram Otavio Azevedo para a carceragem em Curitiba, os agentes da Polícia Federal apreenderam um documento que pode ser explosivo.
No seu apartamento na Vila Nova Conceição, em São Paulo, o chefão da Andrade Gutierrez guardava nada menos do que dez folhas de planilhas associando partidos políticos a valores em dinheiro.
Foi levado também outro material que pode ser revelador: 62 pendrives – um deles com a inscrição ‘e-mails antigos’.
Por Lauro Jardim
http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/brasil/politicos-na-berlinda-policia-federal-apreende-planilhas-e-pendrives-na-casa-do-presidente-da-andrade-gutierrez-preso-na-lava-jato/

Ministério Público vai abrir nova apuração sobre a Bancoop


Movimentação bancária com indício de crime de lavagem de dinheiro detectada pelo Bradesco é um dos motivos, diz promotor de São Paulo

Prédio no Guarujá com o triplex do ex-presidente Lula
PRAIA – Edifício Solaris, um projeto da Bancoop, onde o ex-presidente Lula tem um triplex em Guarujá, litoral paulista(Luiz Maximiano/VEJA)
O Ministério Público de São Paulo decidiu abrir uma nova frente de investigação do caso Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo), segundo o promotor de Justiça José Carlos Blat, responsável pelo processo. Um dos elementos é a decisão do Bradesco de encerrar as contas da cooperativa, por ter detectado movimentação bancária com indício de crime de lavagem ou ocultação de dinheiro, conforme noticiado pelo site de VEJA.
"Isso já é o suficiente para determinar uma nova fase de investigação, que pode abranger alguns ex-dirigentes e atuais dirigentes da Bancoop e pessoas ligadas a empreiteiras", disse o promotor.
O novo inquérito vai ampliar o foco e o período das investigações realizadas pelos promotores. Em 2010, o Ministério Público denunciou à Justiça seis dirigentes da cooperativa, inclusive o ex-presidente João Vaccari Neto - também ex-tesoureiro do PT e um dos presos na Operação Lava Jato. Eles respondem por estelionato, formação de quadrilha, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Vaccari deixou a cooperativa naquele ano e assumiu a secretaria nacional de Finanças do PT.
A primeira denúncia do Ministério Público se restringiu a irregularidades na administração da cooperativa até 2009. Conforme o promotor, a Bancoop deixou de entregar apartamentos para centenas de mutuários e depois repassou obras para construtoras como a OAS. O Ministério Público sustenta que houve desvio de dinheiro do caixa da cooperativa, inclusive, para campanhas do Partido dos Trabalhadores.
O procedimento de investigação criminal deve ser aberto em agosto, após o recesso do Judiciário. O Ministério Público também vai usar dados recebidos da Operação Lava Jato. A força-tarefa da operação suspeita de lavagem de cerca de 200.000 reais na compra de um apartamento da Bancoop pela cunhada de Vaccari, Marice Corrêa de Lima. Ela e Vaccari negam irregularidades. Marice desistiu de ficar com o imóvel e recebeu uma indenização 100% maior da OAS, construtora que finalizou o Edifício Solaris, na Praia das Astúrias, em Guarujá (SP). O ex-presidente Lula possui um tríplex no prédio de praia. Outros petistas como Vaccari e a mulher de Freud Godoy, ex-segurança de Lula, também aparecem na lista de cooperados do Solaris.
"Essa informação do Bradesco e outras que recebemos justificam a continuidade das investigações. Estamos buscando subsídios de 2010 até a presente data", disse Blat. "Aí entram as negociações espúrias e suspeitas da Bancoop com a OAS, outros golpes perpetrados contra cooperados e essas movimentações consideradas suspeitas pelo Bradesco."

Dinheiro para pagar Dirceu saiu de ‘conta-propina’ do PT


Documentos apresentados à Justiça por Ricardo Pessoa em sua delação premiada trazem indícios de que as consultorias de José Dirceu eram fachada para o dinheiro desviado da Petrobras

DISFARCE – José Dirceu faturou 39 milhões de reais supostamente prestando serviços de consultoria. Os documentos de Pessoa mostram que o dinheiro usado para pagar o ex-ministro saiu da conta-propina do PT, abastecida com dinheiro desviado da Petrobras
DISFARCE – José Dirceu faturou 39 milhões de reais supostamente prestando serviços de consultoria. Os documentos de Pessoa mostram que o dinheiro usado para pagar o ex-ministro saiu da conta-propina do PT, abastecida com dinheiro desviado da Petrobras(Dida Sampaio/Estadão Conteúdo)
O petista José Dirceu ganhou muito dinheiro. Desde que deixou a Casa Civil abatido pelo escândalo do mensalão, em 2005, o ex-ministro recebeu cerca de 39 milhões de reais oficialmente fazendo consultorias para o setor privado. As investigações da Operação Lava-Jato, no entanto, desvendaram a verdadeira natureza dos serviços do mensaleiro. Em sua delação premiada, o empreiteiro Ricardo Pessoa apresenta documentos que mostram que as consultorias nada mais eram do que fachada para o recebimento de dinheiro desviado da Petrobras. O dono da UTC contou aos investigadores que foi procurado pelo ex-ministro em meados de 2012. Dirceu, que exercia forte influência sobre os diretores da Petrobras, ofereceu ao empreiteiro os seus serviços de consultor. Assim como no caso do pedido de Edinho Silva, negar dinheiro a Dirceu poderia ser sinônimo de problemas. Melhor não arriscar. Afinal de contas, os negócios iam muito bem. O empreiteiro fechou um acordo para pagar 1,4 milhão de reais ao mensaleiro. O objeto do contrato: prospectar negócios no exterior.
A única coisa que José Dirceu prospectou foram aditivos ao contrato. Sem nenhum tipo de serviço prestado, o consultor conseguiu mais 906 000 reais da UTC no ano seguinte. Quando a última parcela desse segundo contrato venceu, Dirceu já fazia parte da população carcerária do presídio da Papuda, em Brasília. Mas nem a prisão foi capaz de atrapalhar os negócios do ex-ministro. Ricardo Pessoa contou aos investigadores que, a pedido do próprio Dirceu, assinou um segundo aditivo, de 840 000 reais. O contrato foi firmado quando o mensaleiro já estava no terceiro mês de prisão. "Apenas e tão somente em razão de se tratar de José Dirceu e da sua grande influência no PT é que, mesmo sabendo da impossibilidade de ele trabalhar no contrato firmado, porque estava preso, o aditamento foi feito e as parcelas continuaram a ser pagas", disse o dono da UTC aos procuradores. O mais impressionante: como a tabela acima comprova, metade do dinheiro pago pela UTC a Dirceu foi debitada com autorização de Vaccari da conta-corrente que a empreiteira administrava para o PT. Ou seja, o ex-ministro foi pago com propina da Petrobras.
Documentos
(VEJA.com/VEJA)