sábado 21 2015

CGU prepara rolo compressor para firmar acordos de leniência


A regulamentação da Lei Anticorrupção dá plenos poderes à CGU para realizar os acordos, deixando de lado o Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União (TCU); o governo se articula para que os termos sejam firmados a toque de caixa

Por: Ana Clara Costa
CGU
CGU: regulamentação da Lei Anticorrupção dá plenos poderes ao órgão(VEJA.com/Divulgação)
A Lei Anticorrupção foi regulamentada na última quarta-feira pela presidente Dilma Rousseff e detalha, entre outras coisas, como serão conduzidos os acordos de leniência, que funcionam como um tipo de delação premiada para empresas. Na prática, o acordo permite que as companhias envolvidas em escândalos de corrupção colaborem com as investigações e paguem uma multa que seja suficiente para recompor as perdas do Estado (ou de estatais) com os desvios. Em troca, poderão continuar participando de licitações públicas.
A Controladoria Geral da União (CGU), órgão designado pelo governo para conduzir os acordos, voltou a convocar as empresas envolvidas no petrolão para reuniões em Brasília - elas haviam sido paralisadas em meados de fevereiro, depois que encontros entre o ministro José Eduardo Cardozo e advogados de empreiteiras citadas na Lava Jato foram revelados por VEJA. As reuniões de Cardozo foram encaradas como uma forma de articulação do governo para beneficiar as empreiteiras - e os acordos de leniência haviam entrado nessa conta. Há pouco mais de uma semana, a CGU retomou o diálogo com as empresas e recebeu representantes da holandesa SBM Offshore e das construtoras Engevix e Setal.
No caso da SBM, foi assinado um memorando de entendimentos para um acordo futuro. Já as empreiteiras firmaram uma minuta - um documento prévio que pode resultar e acordo. Na quinta-feira, a Setal também assinou um acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), reconhecendo a prática de cartel. Com isso, a empresa se livra do processo e ainda tem redução (ou até mesmo a anulação) da multa por ter cometido crime de ordem econômica. As demais participantes do cartel denunciado pela Setal não terão os mesmos benefícios e devem sofrer sanções administrativas e, possivelmente, criminais. No caso Setal, contudo, o acordo não livra a companhia da inidoneidade. Ou seja, para voltar a prestar serviços ao governo, será necessário recorrer à CGU.
Fontes próximas às negociações afirmaram ao site de VEJA que o ímpeto da Controladoria é destravar a leniência o quanto antes para evitar a quebradeira das empresas. A OAS, por exemplo, é a que se encontra em situação mais delicada. A empresa tem dado sucessivos calotes em seus títulos e investidores têm brigado na Justiça para receber seus rendimentos. Entre a assinatura da minuta e do acordo de leniência, o prazo previsto na lei é de 180 dias.
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de fevereiro, a criação de vagas no mês foi a pior desde 1999, já sofrendo o impacto dos desligamentos feitos por empresas da Lava Jato. Nesta sexta-feira, a Queiroz Galvão demitiu mais de 700 trabalhadores de uma obra ferroviária.
A regulamentação da lei dá plenos poderes à CGU para realizar os acordos, deixando de lado o Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União (TCU). O decreto sequer menciona a instrução normativa publicada em fevereiro que deu poderes ao Tribunal para vetar a realização dos acordos caso as multas não sejam adequadas. O MPF também afirmou que pode contestar juridicamente a validade dos acordos se entender que prejudicam, de alguma forma, o processo criminal. "A regulamentação pecou porque transformou a leniência num procedimento excludente. É notório que estamos tratando de um assunto que tem repercussão em outras instâncias. Isso foi solenemente ignorado. No futuro, esses acordos poderão ser questionados ou desautorizados pelo MPF numa ação judicial", afirma Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.
Rolo compressor - Contudo, na CGU, articula-se a formação de um verdadeiro rolo compressor para impedir que os acordos sejam implodidos novamente pelo TCU ou pelo MPF. Quem lidera a empreitada é Luís Inácio Adams, advogado-geral da União. Oficialmente, Adams vinha tentando costurar um consenso com todas as partes do poder público interessadas no tema. Diante do conflito persistente entre MPF e CGU sobre quem deve conduzir os acordos, nota-se que a tentativa foi em vão.
Nos bastidores, a nova função de Adams será "gerir", por assim dizer, as ações de improbidade administrativa movidas pelo MPF contra as empresas - cujo valor pode superar os 4 bilhões de reais. Algumas empreiteiras afirmam que o acordo de leniência com a CGU pode não valer a pena se, no futuro, forem declaradas inidôneas por meio das ações no Judiciário. O papel do advogado-geral será garantir que a lentidão da Justiça transforme tais processos em fardos de longuíssimo prazo que, tudo indica, poderão se esvair com o tempo.
Para garantir a integridade das ações e travar uma espécie de concorrência com a CGU, o MPF lançou, dentro de um pacote de medidas anticorrupção que será enviado ao Congresso, um termo que atribui ao órgão o poder de celebrar acordos de leniência com pessoas físicas e jurídicas responsáveis pela prática dos atos de improbidade administrativa. "A competência para celebração do acordo de leniência na improbidade administrativa deve ficar restrita ao Ministério Público, órgão que tem legitimidade para o ajuizamento da ação", disse o MP ao justificar a proposta.​
Contradições - Redigida às pressas no furor das manifestações de junho de 2013, a Lei Anticorrupção ainda guarda muitas contradições. A que pode sucitar mais contestação é o artigo que prevê que apenas a primeira empresa interessada na leniência pode ser beneficiada pelo acordo. Isso abre brechas para que termos firmados com todas as empresas da Lava Jato, mesmo que individualmente, sejam contestados no futuro, já que todas as companhias são acusadas de terem lesado uma mesma empresa: a Petrobras. Nem mesmo a regulamentação conseguiu reverter esse artigo. A interpretação da CGU sobre a questão também abre espaço para debate. "O requisito de ser a primeira empresa a se manifestar só será necessário quando houver uma situação relevante para tal, por exemplo, um conluio entre empresas, quando não for configurado um cartel - cuja atribuição para atuar é do Cade", afirmou o órgão, em nota. A lei, contudo, não especifica nada disso.
Também é questionável o tipo de irregularidade que as empresas poderão admitir nos termos da leniência. O reconhecimento de culpa ou dolo pode trazer sanções nada amigáveis no caso das companhias que detêm títulos emitidos no exterior. Ocorre que, mediante o reconhecimento de culpa, a lei que rege o mercado de capitais nos Estados Unidos prevê que investidores possam exigir o adiantamento de seus ganhos e a liquidação de seus investimentos em determinadas empresas - o que acarretará problemas financeiros ainda mais graves. Para escapar desse tipo de "contratempo", a única saída seria que as companhias admitissem terem cometido apenas "atos impróprios". Pode ser suficiente para a CGU, mas, tudo indica, haverá vozes dissonantes.

O poderoso Cunha


O recém-eleito presidente da Câmara dos Deputados emerge como uma força surpreendente, capaz de demitir ministro e imprimir derrotas acachapantes ao Planalto. Até onde ele quer chegar?

Por: Daniel Pereira e Malu Gaspar
DISCIPLINA E OBSESSÃO – Tido como ambicioso e hábil, Eduardo Cunha aproveita o vácuo aberto pela crise política: para amigos, ele não chegou nem ao meio da escada


DISCIPLINA E OBSESSÃO – Tido como ambicioso e hábil, Eduardo Cunha aproveita o vácuo aberto pela crise política: para amigos, ele não chegou nem ao meio da escada(Pedro Ladeira/Folhapress)
Ao anunciar no plenário da Câmara, impávido por trás dos óculos, que o ministro da Educação acabava de ser demitido, o presidente da Casa, Eduardo Cunha, dirimiu qualquer dúvida sobre a relação existente entre o poder e o vácuo. Como na natureza, o primeiro abomina o segundo. Sendo assim, ao enfraquecimento do Poder Executivo, materializado na reprovação recorde da presidente Dilma Rousseff, sobreveio o imediato fortalecimento do Legislativo - embalado na figura até há pouco desconhecida de Cunha.
Eleito para o quarto mandato de deputado federal com 233 000 votos, Eduardo Cunha conquistou a presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro, contra a vontade da petista. Desde então, ele vem impondo à presidente uma sequência de derrotas e constrangimentos. Quanto mais ela se fragiliza, mais ele exercita os músculos. Esse intercâmbio de poder ficou claro na semana passada. Cunha convocou Cid Gomes a prestar esclarecimentos na Casa por ter declarado que lá se encontravam "300 ou 400 achacadores". Cid entrou ministro da Educação e quando saiu era ex-ministro. Cunha exigiu a sua demissão e conseguiu. Para sublinhar a vitória, anunciou ele próprio a saída do ministro - fez isso sentado em sua cadeira de presidente da Câmara e antes mesmo da divulgação oficial da notícia.
Ao mandar para casa um quadro pertencente à cota pessoal da presidente e peça-chave na estratégia governista de reduzir o poder do PMDB, Cunha, aos olhos de correligionários, "vingou" a sigla. Colegas passaram a chamá-lo de "primeiro-ministro". "Ele se tornou a principal pessoa a enfrentar o PT e o governo. Isso estava faltando ao nosso partido", diz o ex-pre­si­den­te José Sarney. Não que a proverbial incontinência verbal da família Gomes não tenha facilitado a façanha.
Cid Gomes - como já havia feito antes seu irmão, Ciro Gomes, ex-ministro também e ex-candidato à Presidência da República - caiu praticamente sozinho, derrubado pela própria língua. Sua fala no plenário da Câmara começou com uma tentativa débil de se desculpar e terminou aos berros, com mais acusações de achaque, dessa vez dirigidas especialmente ao presidente da Casa. Orientado por ele, o PMDB ameaçou abandonar a base governista. "Se a presidente não o demitisse, estaria indicando que não há Legislativo no Brasil", declarou Eduardo Cunha. "Apenas defendi o Poder. O conceito de Parlamento submisso estava muito enraizado." A presidente não gosta do deputado. Em privado, já repetiu o que Cid Gomes disse em público.
Dilma não tem força para confrontar o peemedebista ou se impor ao Congresso. Isso é novidade no presidencialismo brasileiro, um sistema cuja estabilidade repousa no excessivo poder do chefe do Executivo e na fragmentação dos partidos no Congresso.