segunda-feira 16 2015

Dilma reaparece e pede trégua: 'Vamos brigar depois'


Após megaprotesto de domingo, presidente defendeu o ajuste fiscal e voltou a prometer a entrega de um pacote de medidas anticorrupção

Por: Gabriel Castro, de Brasília - Atualizado em 
A presidente Dilma Rousseff durante pronunciamento

DAY AFTER – A presidente Dilma Rousseff durante pronunciamento em Brasília: flagrante mudança de tom(Eraldo Peres/AP)
Acuada pelo maior protesto da história democrática do país contra um governo, a presidente Dilma Rousseff decidiu reaparecer, discursar e tentar disfarçar o abatimento em uma entrevista em Brasília. Tanto no pronunciamento, destinado à cerimônia de sanção do novo Código de Processo Civil, quanto nas respostas às perguntas de jornalistas, a única novidade foi a mudança no tom: a exemplo da fala de ministros mais cedo, palavras como "humildade" e "diálogo" foram incorporadas no vocabulário da petista nesta segunda-feira. Dilma voltou a defender a aprovação do ajuste fiscal, prometeu entregar seu pacote atrasado anticorrupção e fez um apelo: "Vamos brigar depois".
Durante suas falas, a presidente visivelmente se esforçou para transmitir uma imagem mais leve: sorriu, brincou com jornalistas e até ensaiou admitir erros. Mas não tardou para algumas contradições surgirem: Dilma não resistiu, cutucou a oposição e tentou equiparar a passeata promovida pelos seus aliados - muitos pagos para comparecer ao ato - na sexta-feira aos milhares de brasileiros que foram às ruas no domingo.
A confissão parcial de que seu governo errou foi feita em entrevista coletiva, quando a petista analisava o cenário de instabilidade econômica. Dilma lembrou que o governo aplicou todos os recursos, no primeiro mandato, para enfrentar a crise financeira internacional, e disse que agora é preciso fazer um ajuste para corrigir os rumos. Quando questionada sobre a responsabilidade do governo sobre o desequilíbrio, ela chegou afirmou: "É possível que a gente possa ter até cometido algum [erro]. Agora, qual foi o erro de dosagem que nós cometemos? Nós gostaríamos muito que houvesse uma melhoria econômica de emprego e de renda. Tem gente que acha que a gente devia ter deixado algumas empresas quebrarem e muitos trabalhadores se desempregarem. Eu tendo a achar que isso era um custo muito grande para o país. Agora que é possível discutir se podia ser um pouco mais, um pouco menos, é possível discutir", disse ela. Mas em seguida fez um contraponto: "Ninguém pode negar que nós fizemos de tudo para a economia reagir".
Crise política - Em sua entrevista, como havia feito minutos antes no discurso que fez ao sancionar o novo Código de Processo Civil, a presidente afirmou que o governo está disposto a fazer um diálogo amplo e com "humildade".
Embora tenha dito que as manifestações são um direito do regime democrático, Dilma também fez uma espécie de apelo pela união nacional: "Vamos brigar depois. Agora vamos fazer pelo bem do Brasil tudo aquilo que tem que ser feito pelo bem do Brasil", declarou. No mesmo tom, ela disse que é preciso evitar a desestabilização das instituições: "Tem regras do jogo e elas têm que ser seguidas. Se você instabiliza um país sempre que lhe interessa, uma hora essa instabilidade passa a ser algo que ameaça a todos. A escalada é a pior situação que tem", afirmou.
A presidente também fez elogios ao PMDB e ao vice-presidente, Michel Temer. O partido de Temer tem se distanciado do PT e reclama da falta de espaço no governo: "Longe de nós querer isolar o PMDB", afirmou a petista.
Dilma Rousseff comentou ainda a afirmação, dada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), segundo quem a corrupção está no Executivo, e não no Legislativo. A presidente discordou: "Eu acho que essa discussão não leva a nada. A corrupção não nasceu hoje. Ela não só é uma senhora bastante idosa nesse país como ela não poupa ninguém. Pode estar em tudo quanto é área, inclusive no setor privado", declarou.
Economia - Diante da crise econômica, Dilma adotou um discurso otimista. Ela afirmou que não é possível manter as políticas anticíclicas no formato que foram adotadas no primeiro mandato, mas disse que o ajuste fiscal vai fazer efeito. "Esse esforço vai ser ao longo deste ano, mas o Brasil tem todas as condições de sair em menos tempo do que em qualquer outra circunstância", afirmou.
Duque e Vaccari - A presidente da República disse não acreditar que a prisão do ex-diretor da Petrobras Renato Duque e o indiciamento dele e do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, tenham reflexos sobre o governo. "Eu não acredito. Esses acontecimentos mostram que todas as teorias a respeito de como é que o governo interferiu sobre o Ministério Público ou quem quer que seja para investigar ou fazer qualquer coisa com quem quer que seja são absolutamente infundadas", afirmou.
Fies - Além de reconhecer a possibilidade de erros na economia, Dilma admitiu que o governo errou na condução do Fies, o programa de financiamento estudantil. Segundo ela, foi inadequado ceder às universidades o controle sobre a contabilização das matrículas. "O governo cometeu um erro. Passou para o setor privado o controle dos cursos. Nós não fizemos isso com o Prouni, não fazemos isso com o Enem, não fazemos isso com ninguém", declarou. A presidente disse que o governo já começou a resolver a falha.
Ao comentar a postura de "humidade" prometida pelo governo, Dilma não quis fazer um mea culpa. "Tem uma certa volúpia da imprensa em querer uma situação confessional. Não tem na minha postura nenhuma situação confessional (...) Isso aqui não é um auto de confissões, vocês vã concordar, é uma entrevista". Depois, completou: "Se alguém achar que eu não fui humilde em algum diálogo, me diga qual e aí eu tomo providências. Caso contrário, seria um absoluto fingimento da minha parte".
A coletiva desta segunda foi a mais longa registrada nos últimos meses: durou quase meia hora.

Dilma enfrenta o maior protesto popular da história democrática


Ao menos 1,8 milhão de pessoas foram às ruas em todo o Brasil para se manifestar contra o governo e o PT. Ministros Rossetto e Cardozo falaram em defesa do governo — reciclando velhas propostas petistas, e sem sombra de autocrítica

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O governo de Dilma Rousseff foi alvo neste domingo da maior manifestação espontânea já feita no Brasil contra um presidente da República. Vestidos de verde e amarelo, os brasileiros foram às ruas em todos os estados e no Distrito Federal para protestar contra a presidente e o Partido dos Trabalhadores. Ao menos 1,8 milhão de pessoas tomaram praças e percorreram avenidas, segundo estimativas das Polícias Militares nos Estados. O número, contudo, não leva em conta manifestações 
Ao contrário do que ocorreu na manifestação pró-governo de sexta-feira, quando o braço sindical do petismo, a CUT, e os grupos de sem-teto e sem-terra cooptados pelo governo organizaram marchas com militantes uniformizados - e pagos em grande número de casos -, nenhum partido político ou grupo organizado controlou os movimentos ou pôde reivindicar a sua paternidade. Com exceção de raros políticos em suas bases, nenhum expoente da oposição foi às ruas numa decisão calculada: de um lado, a ausência deles deixa claro que a manifestação é apartidária e espontânea; do outro, também não tinham certeza de como seriam recebidos em algumas praças. O candidato derrotado por Dilma, o tucano Aécio Neves, divulgou um vídeo usando a camisa da seleção brasileira no qual justificou porque não saiu de casa: "Depois de refletir muito, optei por não estar nas ruas neste domingo para deixar muito claro quem é o grande protagonista dessas manifestações: o povo brasileiro, o povo cansado de tantos desmandos, cansado de tanta corrupção".
A multidão que tomou as ruas foi muito maior do que a previsão mais pessimista do Planalto. Na véspera das passeatas, o governo articulava o discurso de que seriam atos sem foco definido, protagonizados pela "elite" e cujo pico de concentração seriam 100.000 pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo. De fato, a maior adesão ocorreu em São Paulo, mas com dez vezes mais pessoas do que jamais esperava o Planalto: recorrendo a imagens aéreas e programas de computador, a PM estimou a presença de 1 milhão de manifestantes na Paulista. A jornada também mostrou que pessoas de todos os estratos sociais participaram das marchas nas cinco regiões do Brasil, e que elas tinham, sim um foco claro: o governo Dilma e os anos de mando petista . A indignação provocada por ambos deu o tom das passeatas - sem que faltassem cartazes e palavras de ordem em favor do impeachment da presidente.
Dilma Rousseff passou o dia trancada no Palácio da Alvorada. Convocou um gabinete de crise para monitorar as passeatas e escalou os ministros Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da Presidência, e José Eduardo Cardozo, da Justiça, para se pronunciar em nome do governo.
A fala teve início por volta das 18h45. Na contramão de uma postagem feita durante a tarde nas contas de redes sociais de seu ministério, que afirmava que o "discurso de ódio fere a democracia e não gera mudanças", Cardozo disse que as passeatas foram "legítimas, democráticas e com respeito às autoridades". Questionado sobre a postagem na entrevista coletiva, o ministro disse que deu ordem para que ela fosse retirada do ar. Como remédio contra a indignação, contudo, ele apresentou tão somente velhas promessas e ambições petistas: o envio de um pacote anticorrupção ao Congresso e a realização de uma reforma política que, ele explicitou, deve proibir as doações de empresas.
Se não houve sombra de autocrítica na fala de Cardozo, Miguel Rossetto, integrante de uma ala mais radical do PT, adotou um tom agressivo, para afirmar que a discussão de um processo de impeachment "não deve ser tolerada". Rossetto procurou também qualificar os manifestantes como sendo todos pertencentes ao contingente de eleitores que não votaram na presidente em 2014 - afirmativa categórica que as pesquisas mais recentes de aprovação do governo não autorizam, por mostrar que Dilma Rousseff perdeu rapidamente o cacife com que contava no início de seu segundo mandato. Rossetto também procurou defender o pacote de ajuste econômico que o governo procura implementar, e que desperta a insatisfação de setores de apoio ao petismo - ou do próprio partido.
Enquanto os ministros falavam, o Brasil continuava a expressar sua indignação, com panelaços semelhantes ao que recebeu o pronunciamento em rede nacional de Dilma Rousseff há uma semana, no Dia da Mulher.