terça-feira 19 2014

Associação de vítimas caça Roger Abdelmassih pelo mundo

Entrevista


Líder de grupo de mulheres atacadas sexualmente pelo médico conta como funciona a perseguição a um dos brasileiros mais procurados pela Interpol

Bela Megale
Vanuzia Leite Lopes, 54, uma das vítimas do dr. Roger Abdelmassih
Vanuzia Leite Lopes, 54, uma das vítimas do dr. Roger Abdelmassih (Jefferson Coppola/VEJA)
Em 2003, a dona de casa Helena Leardini buscou um tratamento para engravidar. Procurou o especialista mais famoso em fertilização da época, o médico Roger Abdelmassih, que tinha no currículo uma lista de clientes-celebridade, como o ex-craque Pelé.  Pagou 30 000 reais por um pacote que lhe dava direito a três tentativas. Durante a primeira consulta sem o marido, ainda antes do procedimento, foi surpreendida pelo médico com um beijo arrancado à força. “Ele veio falando mansinho e, de repente, segurou meu pescoço com as duas mãos e me beijou. Cerrei a boca, consegui empurrá-lo com o joelho e saí correndo”, conta ela. Aos 34 anos e sem dinheiro para procurar outro médico, Helena continuou o tratamento, já pago. Mas a partir daquele momento, passou a ir ao consultório sempre acompanhada pelo marido, a quem relatou o ocorrido. “Queria realizar um sonho”, diz ela, para justificar não ter denunciado o médico na ocasião. Desde então, passou a ser atendida por outros profissionais da clínica e teve sucesso. Hoje, tem duas meninas, gêmeas. 
Sua história, ela saberia depois, era apenas uma entre dezenas de mulheres, muitas delas vítimas de abusos ainda mais graves. Conta a empresária Ivanildes Serebrenic, que tinha procurado Abdelmassih quatro anos antes:  “Após a minha segunda coleta de óvulos, quando eu estava acordando da sedação, vi o médico com os órgãos genitais para fora da calça e minhas mãos sujas com seu esperma”. Ela interrompeu o tratamento, procurou outro profissional e conseguiu engravidar de trigêmeos.
As duas mulheres se conheceram por meio da Associação “Vítimas de Roger Abdelmassih”, criada em 2011 pela estilista Vanuzia Lopes, depois que o médico, condenado a 278 anos de prisão por 56 estupros, se tornou um foragido da Justiça. Vanuzia também foi vítima de Abdelmassih, em 1993, depois do procedimento de retirada de óvulos para fecundação. “Abri os olhos e ele estava em cima de mim. Mesmo meio zonza pela anestesia, consegui tirá-lo dali”, conta ela, que afirma ter ficado infértil após o episódio. “Por causa de uma infecção que ele me passou, perdi as trompas e parte do ovário”, explica. 
Desde que soube da fuga do médico, a estilista passou a estudar Direito e promover uma caçada a Abdelmassih pelo mundo. Ela usa a página do grupo em redes sociais para se conectar com informantes e buscar o paradeiro do seu agressor. Em entrevista a VEJA, a líder do associação fala de sua história e de como funciona a perseguição a um dos brasileiros mais procurados pela Interpol. 
Como conheceu Roger?
Em 1993 eu o procurei para fazer um tratamento para engravidar porque ele era um médico famoso nessa área.  Quando cheguei lá, tive a certeza que eu engravidaria. “Garanto que você sairá daqui com o bebê no colo”, ele falou. Até vendemos um apartamento modesto que tínhamos na praia para pagá-lo. Na época, meu marido falou da nossa dificuldade e ele disse: “Você prefere ver o mar ou o sorriso do seu filho?”. Logo estava com o dinheiro na mão.
Quando percebeu que tinha sido abusada?
Quando comecei o tratamento, ele me elogiava demais, dizia que eu era bonita, mas não interpretei aquilo como um sinal, só achei estranho. Fiz três sessões. Na primeira não notei nada, mas na última acordei com ele em cima de mim. Quando percebi, tinha um sangramento no ânus.  Estava meio zonza por causa da anestesia, mas consegui tirá-lo de cima. No mesmo dia fui à delegacia e também fiz o exame corpo de delito. Tenho até hoje o protocolo amarelado do exame e do boletim de ocorrência.  Fui com esses papéis ao Conselho Regional de Medicina e fiz minha denúncia.  Mas ele era muito conhecido e nada andou. 
Você teve sequelas?
Por causa de uma infecção que ele me passou perdi duas trompas e parte do ovário. Eu me tornei uma mulher infértil. Também me tornei obesa, fiquei pesando mais de cem quilos na época. E tive síndrome do pânico, fiquei sem sair de casa por mais de dois anos.
Qual foi sua reação quando, 15 anos depois, outras denúncias contra o médico ganharam força?
Passei anos acreditando que ele era estuprador de uma mulher só, até tomar conhecimento de outras vitimas. O que me estimulou a mostrar o rosto foi a tese da defesa, que dizia que Abdelmassih enfrentava “vítimas sem rosto”. 
Quando montou a associação?
Foi em 2011, quando ele se tornou um foragido. Eu já trocava mensagens com outras vítimas que mostraram a identidade. A gente sempre fez tudo por meio de redes sociais, mas a comunicação ficou mais intensa depois que ele fugiu. Foi então que decidi criar formalmente  a associação.
Como ela funciona?
Hoje somos seis vítimas que mostramos o rosto, mas estamos em contato com muitas anônimas. Falo diretamente com vinte mulheres, algumas moram fora do Brasil -- na Europa e Estados Unidos. Há uma divisão de tarefas. Eu sou a responsável por falar com denunciantes e receber os documentos, inclusive respondo civil e criminalmente por eles. As outras têm o papel de dar suporte às vítimas que nos procuram. 
Vocês trabalham sozinhas ou têm ajuda de algum órgão público?
Por muito tempo atuamos sozinhas, mas recentemente passamos e ter contato com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo que está nos dando suporte. 
Quando Roger Abdelmassih for capturado a associação acabará?
Recebemos denuncias de diversas espécies. Muitas pessoas nos procuram para relatar abusos que sofreram de outros estupradores. Nossa ideia é continuar ouvindo vítimas e denunciantes e ajudar na busca de outros procurados.
Por que decidiu mostrar seu rosto?
Mostrar o rosto dá força e credibilidade a uma denúncia. Quando ela se esconde, deixa o agressor mais forte. Somos vítimas e não coitadas.

Roger Abdelmassih, o fugitivo mais procurado de SP, é preso no Paraguai

Justiça

Condenado por 56 estupros e foragido desde 2011, médico foi preso em Assunção, no Paraguai. Ele era um dos 160 brasileiros na lista da Interpol

Laryssa Borges e Gabriel Castro, de Brasília
O médico Roger Abdelmassih sai do 40º DP (Departamento de Polícia) após ser favorecido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) que concedeu habeas corpus, em São Paulo (2009)
O médico Roger Abdelmassih sai do 40º DP (Departamento de Polícia) após ser favorecido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) que concedeu habeas corpus, em São Paulo (2009) - Mário Angelo/Folhapress/Folhapress
O médico Roger Abdelmassih, de 70 anos, um dos fugitivos mais procurados do país, foi preso na tarde desta terça-feira na cidade de Assunção, capital do Paraguai. Segundo o Ministério da Justiça, o médico foi detido em uma operação conjunta da Polícia Federal e a Secretaria Nacional Antidrogras paraguaia. 
Abdelmassih será deportado imediatamente pelas autoridades paraguaias por estar na lista da Interpol. Ele chegará às 17h na cidade fronteiriça de Foz do Iguaçu (PR) e, provavelmente, será transferido para São Paulo.

Foragido da Justiça desde 2011, o médico foi condenado a 278 anos de prisão – foram 52 estupros e 4 tentativas contra 39 mulheres, pacientes de sua clínica especializada em reprodução assistida. De acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), os crimes foram cometidos entre 1995 e 2008, nas dependências da clínica, localizada em um bairro nobre da capital paulista.

Abdelmassih chegou a ficar preso por quatro meses em 2009, mas foi solto por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). O então presidente da corte, ministro Gilmar Mendes, havia concedido habeas corpus em favor do médico por considerar que não havia risco à ordem pública. Na avaliação do magistrado, como o registro profissional de Abdelmassih havia sido cassado, não haveria a possibilidade de reiteração dos abusos sobre as pacientes e não seria necessário manter o profissional preso. “A prisão preventiva releva, na verdade, mero intento de antecipação de pena, repudiado em nosso ordenamento jurídico”, disse Mendes na ocasião.
Em 2011, porém, a 2ª Turma do STF reformulou a decisão e cassou a liminar que permitia ao médico responder aos processos em liberdade. Na época, Roger Abdelmassih já era considerado foragido.
O caso – Na decisão de 194 páginas que o condenou, a juíza Kenarik Felippe, da da 16.ª Vara Criminal de São Paulo, narra em detalhes o ocorrido com cada uma das 39 vítimas do médico. Ao longo do processo judicial foram colhidos os depoimentos de 250 testemunhas vindas de São Paulo, Minas Gerais, Paraná , Rio Grande do Norte, Piauí e Rio de Janeiro. O processo tem 37 volumes e 10.000 páginas.

As vítimas de Abdelmassih relataram à Justiça agressões sofridas na sala de consulta e de recuperação da clínica, especialmente após a coleta de óvulos, procedimento inicial para a reprodução assistida. Em muitos casos, as mulheres estavam saindo da sedação quando se viam envoltas pelo médico, que as beijava a boca, o pescoço e os seios, avançando, em mais de 50 casos, para relações sexuais forçadas.

As mulheres contaram ter escondido os episódios em um primeiro momento até mesmo de seus maridos, por vergonha ou medo que eles resolvessem fazer justiça com as próprias mãos. Elas se disseram intimidadas pela fama e o prestígio do médico. Muitas só decidiram denunciar os abusos após os primeiros casos serem divulgados pela imprensa.

A investigação contra Abdelmassih começou em maio de 2008 e veio a público em janeiro de 2009, provocando uma onda de novas denúncias de mulheres contra o médico. De agosto a dezembro do ano passado, ele ficou preso preventivamente, mas foi solto por decisão do Supremo.

A clínica do médico era a mais conceituada em reprodução assistida do país. Abdelmassih foi o responsável pela inseminação artificial de filhos de famosos como Pelé, Tom Cavalcante, Gugu Liberato e Carlos Alberto de Nóbrega.

Dilma faz uso perfeito do 'dilmês' no Jornal Nacional

Eleições 2014

Presidente-candidata abusou de frases longas e rodeios e se esquivou dos temas mais espinhosos – em alguns casos, simplesmente porque não respondeu

Presidente Dilma Rousseff é entrevistada no Jornal Nacional
DILMÊS APLICADO – A presidente-candidata Dilma Rousseff em entrevista ao Jornal Nacional: rodeios e respostas confusas (Reprodução/TV Globo)
Em entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, nesta segunda-feira, a presidente-candidata Dilma Rousseff lançou mão do mais puro dilmês: frases longas e confusas, engatadas umas nas outras. Por mais de uma vez, ela insistiu em concluir suas longas explanações: "Só um pouquinho, Bonner", dizia. Dilma ultrapassou em quase 50 segundos o tempo de 15 minutos destinado a ela. Mas desta vez o dilmês pode ter jogado a seu favor. Numa sala do Palácio da Alvorada, e não nos estúdios da Rede Globo, os entrevistadores — além de Bonner, Patricia Poeta — só conseguiram lhe fazer quatro perguntas. Se da entrevista não resultou nenhum slogan de campanha, ela tampouco será lembrada por uma frase negativa, com o reconhecimento de um erro ou malfeito. Diante das interpelações mais duras, Dilma se escondeu atrás de sua barragem de frases. 
Na primeira pergunta, William Bonner tratou dos muitos escândalos do governo petista e perguntou se era difícil escolher pessoas honestas para preencher os cargos do governo. A presidente não respondeu diretamente: optou por tratar das instâncias de combate à corrupção. "Nós fomos o governo que mais estruturou os mecanismos de combate à corrupção, a irregularidades e malfeitos", disse ela, que também minimizou os escândalos. "Nem todas as denúncias de escândalo resultaram em realmente a constatação que a pessoa tinha de ser punida e seria condenada".
A petista também se escudou convenientemente no cargo e foi evasiva quando o apoio do PT aos mensaleiros condenados por currupção pelo Supremo Tribunal Federal foi colocado em pauta: "Eu não vou tomar nenhma posição que me coloque em confronto, conflito, ou aceitando ou não (sic). Eu respeito a decisão da Suprema Corte brasileira. Isso não é uma questão subjetiva".

Em seguida, Dilma afirmou que a troca de César Borges por Paulo Sérgio Passos no Ministério dos Transportes – uma exigência do PR, envolvido em casos de corrupção na própria pasta, para apoiar a reeleição da petista – foi feita com base na integridade do nome indicado pela sigla. "Os partidos podem fazer exigências. Mas eu só aceito quando considero que ambos são pessoas íntegras e não só integras, são competentes", afirmou.

Quando o assunto foi economia, a estratégia foi a mesma: William Bonner perguntou se o governo não havia errado em nenhum momento na reação à crise internacional. A resposta foi o discurso-padrão apresentado pela presidente nos últimos meses: "Nós enfrentamos a crise pela primeira vez no Brasil não desempregando, não arronchando salário, não aumentando tributos e sem demitir", disse ela.
Em um dos poucos momentos significativos da entrevista, a presidente acabou admitindo que a saúde não está em padrões minimamente razoáveis: "Não acho", disse ela, antes de desandar a falar sobre o Mais Médicos, uma das bandeiras de sua campanha.

Já com o tempo estourado, Dilma ainda tentou pegar carona na comoção que tomou o país com a morte do candidato do PSB, Eduardo Campos, cuja frase final no Jornal Nacional – "Não vamos desistir do Brasil" –virou lema do PSB. "Eu acredito no Brasil", disse Dilma, que foi interrompida uma última vez enquanto tentava pedir votos aos eleitores.